terça-feira, 8 de maio de 2012

Evacuar: uma questão que pode ir além do fisiológico


Caros Leitores, um dos temas mais abordados e orientados por profissionais de diversas áreas e de maior importância no Desenvolvimento Neuropsicomotor e Fisiológico do Ser Humano, é o Processo de Desfralde. Tão importante quanto a aprendizagem da alimentação e do andar, este é um Processo que se não vivido com tranquilidade, paciência e maturidade, principalmente dos adultos que convivem com a criança, poderá lhe trazer transtornos futuros e complicações que podem ser minimizadas / sanadas desde o inicio.
E, neste momento, vocês devem estar pensando: “bom, meu filho já passou desta fase, não vou nem ler...”. Por favor, não pensem assim, prossigam com a leitura, afinal, este, que é o primeiro momento de independência vivido pela criança, não será o foco deste relato. Hoje me remeto às famílias e profissionais que convivem com crianças entre quatro / cinco anos (ou acima desta faixa etária) e que se deparam com o desconforto no momento da evacuação de seus filhos, associados a lugares, situações, momentos e consequentemente, o desencadeamento de muito stress.
Tudo parece tranquilo quando uma mãe matricula seu filho, pela primeira vez, em uma Escola, aos três anos de idade e anuncia: “ele já está desfraldado, foi tudo bem, só que ele não faz cocô se não for em casa”. Até aí, nenhum problema, a priori, afinal, a criança só frequenta meio período escolar e nos dois primeiros meses, nada de intercorrências.
Ate que surge O Dia de Passeio Escolar. A Direção pede que os alunos cheguem à Escola às 7h, e aquele aluno, que chamarei de João, chega às 7h20 (só faltava ele para o ônibus sair), com olhos inchados de tanto chorar, e a mãe parecendo fora de seu normal equilíbrio (o mesmo notado todos os dias as 13h, quando o deixa para sua tarde letiva), afirma: “se preparem, ele tá impossível, mal humorado, já apanhou, estou com ele desde as 5h no vaso e ele não fez uma bolinha sequer de cocô, sem fazer cocô, ele fica insuportável...”. A professora, espantada com a informação, tenta acalmar a mãe e rapidamente, promete olhar cuidadoso para o Pequeno e adorado João.
A chegada ao passeio ocorre de maneira tranquila e harmoniosa, até que, por volta das 11h nota-se maior irritabilidade do aluno e momentos de picos de agressividade junto a colegas que ele melhor se identifica e brinca. Terminado o passeio, as alterações comportamentais são transmitidas à mãe, com a informação de que mesmo sob as mesmas, João, se divertiu e aproveitou bastante. A mãe, ainda fora de seu discurso polido e educado, rebate: “eu avisei, todo dia é este inferno, este cocô é a praga que ronda minha casa, mas deixe comigo, hoje a noite me acerto com ele...”. No dia seguinte, sua rotina estava restabelecida e João seguiu normalmente pelos meses seguintes, sem alterações, brincando, dominando brincadeiras e pedagogicamente vinha ganhando destaque.
Eis que chega o segundo semestre e uma mudança profissional, associada à saída da babá (no emprego há seis meses), leva a mãe a alterar o período de frequência do filho – João passou a ser aluno de período integral; e aí, a mesma alteração presenciada no dia do Passeio passou a ser rotina para o Pequeno, que, a partir de determinado momento do dia passava a bater, chutar, gritar, isolar-se, fugir do grupo e do banheiro, após um “rápido momento de xixi” e a retomada da tranquilidade passou a ser um desafio à professora, auxiliar de sala e coordenadora. Até que dois meses de período integral, com insistentes indagações de alteração de rotina, todas negadas pela mãe, o professora tem um “brilhante insight” e memoriza o dia do passeio, seguido da fala da mãe. Motivo para agendamento de reunião, que após algumas desmarcações, por parte desta, acontece.
Diante da Coordenadora, a mãe relata que o Processo do Desfralde foi tranquilo, mas repleto de oscilações e ocorrências: pais separados desde os dois anos de vida de João, pai não sabe lidar com o “reloginho biológico” a cada 1h30, e indaga-lo sobre a vontade de ir ao banheiro (em resumo: a cada 15 dias, durante o final de semana, bem como por um período de 15 dias, durante as férias escolares, até os dias atuais, ele coloca fralda no filho, durante a manhã, até que o mesmo anuncie ter evacuado). Passeios com os avós paternos? Só de fralda. Troca da babá e pouca habilidade da atual, fez com que, em determinado dia, ela xingou ao ter que limpá-lo, seguido da frase: “nossa, como você fede, vou parar de te dar comida, só leite, assim, você não fede tanto, eca...” – dado que foi relatado por João à mãe. Na casa dos avós maternos, a avó anuncia: “filhinho, cuidado, você vai cair no buraco, quem nem o seu primo outro dia que veio aqui”. Pronto... diante de tantas turbulências (que a mãe, apenas diz: “olha... nada de anormal, só ocorreram uns incidentes e umas situações de bobeira, como:... “e aí discorreu sobre todas as apontadas acima), estava instaurado um processo traumático, que só é amenizado e vivido sob tranquilidade, quando ministrado pela mãe, em casa, todos os dias, por volta das 10h... antes disso, não há quem o faça evacuar (como no dia do passeio), por isso, a instabilidade de humor se faz presente.
Naquele momento, todo o período de alteração comportamental vivido com João há dois meses parecia fazer sentido à equipe e era claramente justificado. João vive um Processo Traumático, marcado pela traição “daquela” que deveria orienta-lo e educa-lo: a palavra... A palavra que leva à discussão entre os pais, sendo ele, o tema (vocês avaliam como fica a cabeça de uma criança de três / quatro anos, que já permeia pela consciência de que ela é o pivô de uma discussão?). Palavra que, visando alerta-lo de um perigo, leva João ao mundo da imaginação de como seria cair em um imenso buraco. Palavra da inexperiência que o denigre, e que faz com que um ato fisiológico e natural, o defina como alguém “mal cheiroso”. Palavra de uma mãe que sem entender que não “comandamos” nosso relógio biológico, e não evacuamos antes ou depois de nosso horário habitual, por conta de um compromisso... a Palavra leva João a instabilidades comportamentais que nem mesmo ele sabe, conscientemente, explicar; “ah... eu tô batendo no meu amigo porque passou a hora do meu cocô e eu não estou em casa”... ah.. que bom seria!
É preciso reverter o processo instaurado em sua cabecinha; pois a mãe relata que passado o final de semana que é de seu direito judicial (com João, em casa, indo ao banheiro sob a mesma tranquilidade em que escolhe um brinquedo) os doze dias seguintes são de muito stress, irritabilidade e agitação... notem... um processo vivido pela criança durante 26 dias do mês.
A família “palpita”, Pediatra hipoteticamente fala em TDAH, sugerindo Avaliação Neuropsicológica (inviável à crianças desta faixa etária), as mães de colegas de sala reclamam sobre o comportamento, o pai (que, depois de coletadas informações, sabe-se que é vitima de intestino preso, pois prendia fezes quando criança, para poder jogar bola, mas não associa os fatos), afirma que “é da idade, que ele também era assim, pois brincava com “arminhas”, e todo menino tem momentos agressivos, senão, não seria ‘homem de verdade’”; a mãe, já exausta, de bilhetes e reclamações, em um primeiro momento, culpa a escola e pensa em mudança, mas cala-se diante da informação de que ele é destaque na evolução pedagógica da sala. O que fazer?
Em primeiro lugar, entraves no Desfralde de João parecem ter deixado marcas, e aí, sua dificuldade interna na administração associada à inexperiência materna e descrença de que aspectos emocionais (separação dos pais, convívio com o pai – que colocando a fralda, como os avós paternos, impedem seu crescimento maturacional – “falas” dos avós, não frequentes, porém inoportunas e da babá) possuem ligação direta para o desencadeamento do quadro. 
Apresenta-se estes pontos e “parte-se” para o segundo momento... A aceitação do quadro e solicitação de parceria familiar para que em casa, “nos finais de semana do pai” e passeios com avós, seja adotado o mesmo ritmo e trabalho proposto pela equipe docente. Foi oferecida uma lista de alimentos rico em fibras para ser oferecidos em maior quantidade no período noturno, visando que no dia seguinte, por volta das habituais 10h, seu organismo “peça” uma evacuação. Em sala de aula, todo um trabalho de “Roda de Conversa” com fantoches ilustrativos, elaborados pelas próprias crianças, com material reciclado, foi o recurso encontrado.
E, neste quadro, que surge como real / fictício, por se tratar da união de momentos vividos, ao longo dos tempos, em Consultório e Assessoria, muito se aprendeu. O resultado do quadro de João? Chegou-se nesta escola ao final do ano letivo e João já pede, com tranquilidade e sem traumas, à professora para ir ao banheiro, já “treinando” limpar-se sozinho. Em casa, a reprodução de fantoches, fez com que João os levasse ao banheiro a todo momento que sente vontade de evacuar... e os chama de “meus amigos do cocô”. Na casa do pai, o processo ainda é lento, João leva os fantoches, mas pai e avós denominam o ato como “bobeira”, utilizando o conceito “machista” de que o filho “é homem e não precisa disso”, mas após séria conversa com a Coordenadora, ele passou a enxergar a importância do ato para o filho e já admite que ele os “carregue” na mala.
Um cenário repleto de pontos, sob o desencadeamento de inúmeras preocupações. Por isso, o preparo, observação e olhar atento de todos que convivem com a criança faz a diferença em seu desenvolvimento. Imaginando que este menino não passasse a frequentar o período integral: quanto tempo mais ele manter-se-ía sobre esta insalubre rotina? Imaginando que a professora não estivesse atenta ao dia do passeio, com a fala da mãe, quanto tempo mais ele iria agredir, sem justificativa e com acréscimo de sua força física, afinal está crescendo? Imaginando que não fosse apresentada sua rotina com o pai, por quanto tempo mais este impediria o crescimento de João, permitindo que ele passasse por situações vexatórias, com o uso da fralda? E aí, outros recursos poderiam ser erroneamente utilizados como uma consulta ao Psiquiatra Infantil para administração medicamentosa de controle da agressividade (e ele carregando este “pseudo” rotulo). Um futuro homem, que sofreria, quando estivesse fora de casa, em viagens ou mesmo, frequentando a casa de uma namorada. 
Por isso, a fala contínua e constante de educadores e profissionais pedindo aos pais que não interrompam o curso natural do crescimento de seus filhos; seja do primeiro ou terceiro, diante de um inicio de processo (desfralde, desmame, chupetas, mamadeiras, “paninhos”, separação conjugal, dificuldades de rotina com alimentação, evacuação, sono, medos...) busquem auxilio, comuniquem à Escola (local de maior convívio interacionista de seu filho), orientem-se. Cerquem-se do esperado e do que foge aos padrões. Estamos sempre unidos pelo bem estar Físico – Psíquico – Social das crianças. Seis / Sete anos na vida de uma pessoa podem passar como uma piscadela de olhos, mas jamais esqueçam que para seu filho, esta é a fase de constituição e solidificação da base para toda sua vida. Pensem nisso!!!

Valesca Souza – CRP 06 / 50721 – 3
Psicóloga Clinica – Especialista em Neuropsicologia
e-mail: valescasouza@gmail.com

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