quarta-feira, 4 de maio de 2011

BULLING: MAIS UM TEMA QUE CLAMA PELO DIÁLOGO!


Pai, meu amigo me chamou de gordo”

“Mãe, todos riem de mim, porque sou o mais alto e sempre o ultimo da fila”

“Pai, quero mudar de escola, meu amigo tira sarro porque sou o único BV (Boca Virgem)”

“Mãe o que é CDF? Meus amigos só me chamam assim, quando recebo as notas”

“Mãe, quero tomar remédio para crescer, não agüento mais os meninos me chamarem de anã”

“Pai, meu amiguinho disse que não vou à festa dele, porque lá não entra preto”

“Fui excluída do grupo porque não quis beber cerveja”

“Pai, pede para a tia me mudar de sala...” “Por que meu filho?” “Meu amigos estão me chamando de fundo de garrafa, só porque tenho que usar óculos”

“Pai quero me matricular no jazz...” “Você está louco menino? Seu lugar é no judô”

É... a lista é longa...

Os pais classificam como “tolices”. As crianças e adolescentes sofrem e tendem a se calar. A Coordenação da Escola, em alguns casos, não se atem ao “quietinho” que senta no canto da sala e de uma hora para outra deixa de participar das aulas. A apatia toma conta do aluno, os dias passam, os meses se estendem, a mudança de ano é só uma soma... e lá na frente... a bomba: “Massacre em uma Escola em Realengo – RJ”. A repercussão mundial de um trágico episódio traz à luz um tema vivido há anos, por inúmeras famílias, mas que o descaso, descompromisso e falta de diálogo familiar e escolar, podem levar a um final, insano e jamais relacionado a frases isoladas, ouvidas em um passado não muito distante, com um pedido de socorro.

Minha vontade de vir ao papel lhes apresentar e alertar para este tema, já vinha bem antes do inesquecível 07 de abril de 2011, um dia que, certamente, não sairá da memória de muitos de nós, das famílias sofridas e de milhares de pessoas, que, isoladas, em seus lares, vivem esta realidade e se calam, por medo, preconceito e outros fatores. É preciso esclarecer e relatar aos filhos (com a clareza pertinente à sua faixa etária), o que se passa, para nos apropriarmos das reações e comentários que as crianças fazem diante de uma explicação de pais e professores. Às vezes, diante de uma cena vista na TV e comentada, tomamos conhecimento de que algo semelhante pode estar ocorrendo com “um dos nossos”, e que, até então, não estávamos atentos.

Bullying” – palavra da “moda”, atualmente, muitíssimo explorada.... de origem inglesa, sem tradução no Brasil é utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar de meninas e meninos. Há algumas traduções para o termo bully: indivíduo valentão, tirano, mandão, brigão. A Expressão “Bullying” corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully contra uma ou mais vitimas que se encontram sem a possibilidade de defesa.

Segundo Ana Beatriz B. Silva, autora do livro “Bullying – mentes perigosas na escola”, o que antes era algo sem definição especifica, hoje tem nome, sobrenome, descrição e reconhecimento psicossocial. Para a autora, é na escola que iniciamos nossa longa jornada rumo à via adulta, mas o Bullying não pode mais ser tratado como um fenômeno exclusivo da área educacional. Hoje é definido como um problema de saúde publica. A falta de conhecimento sobre a existência, funcionamento e conseqüências deste propiciam o aumento desordenado no número e na gravidade de novos casos e nos expõe a situações que poderiam ser evitadas.

Não canso de dizer que os quietinhos me preocupam muito mais do que os “tagarelas” e apontados “hiperativos” – que também não me fogem aos olhos. Mas, com os quietinhos não se sabe o que acontece, por onde andam e o que pode passar por estas “cabecinhas”. Porém também se sabe que os “Bullies” não se concentram apenas nas escolas, eles crescem e covardemente “agridem” os “estruturalmente mais enfraquecidos”: como um chefe, que humilha, verbalmente, sem motivos um funcionário em cargo inferior ao seu, mediante um simples erro; como um pai, que rebaixa a estima do filho – vocês se lembram do personagem Saulo, do ator Werner Schünemann, na novela Passione? O quanto ele “denegria” e humilhava seus filhos? E vejam como uma pessoa vitima de Bullying pode chegar aos mais diversos extremos, tanto que nesta mesma novela, um de seus filhos, Danilo, personagem do ator Cauã Raimon, teve como um dos fatores de sua “entrada no mundo das drogas” as banalizações sofridas pelo pai.

Com este “bate papo” não almejo que pais recorram à Escola quando simplesmente ouvirem do filho: “Fulano não é mais meu amigo, e disse eu não vou mais brincar com ele” – isso não é Bullying, a faixa etária também nos permite colocar que as crianças entre 04 e 06 anos estão firmando sentimentos e começam a fincar as noções de amizades, o gostar e melhor se identificar.

Levantar a hipótese de Bullying vai além do simples comentário. Uma criança dá “pistas” do sofrimento iminente. “Anuncia” que algo não vai bem, através até, de sintomas psicossomáticos, como: cefaléia, dificuldade de concentração, diarréia, crises de asma (antes não existentes), pedidos recorrentes para não ir à escola. E os pais, às vezes, despercebidos deste movimento, chamam de “frescura”, e o obriga ir à escola. O que pode, inclusive levá-lo a um outro comportamento, a Síndrome do Pânico (Fobia Escolar). Vemos os agressores dentro de casa, desde a infância, cometendo atrocidades, como maldades com o irmão mais novo, com o rabo do gato... E depois de crescidos, usam da banalidade para agredir homossexuais e atear fogo em mendigos dormindo... em nome de um vandalismo que poderia ser freado quando pais apenas contavam aos amigos, achando graça, e “pseudo orgulhosos”, as peripécias do filho...

A Escola deve estar ciente dos passos de seus alunos... “ariscos” e “tímidos”. E os pais devem estar nesta parceria, comentando movimentos observados em casa, como fonte de pesquisa na Escola também. Pois o filho não se torna quietinho apenas em casa ou peralta apenas na escola. Ele é um Ser Humano, portanto, único em seus atos. Claro, que em casos de outras patologias (como a Psicose) isso pode acontecer, mas não como o foco que aqui trago.

Em seu livro, Ana Beatriz fornece uma lista tanto dos sintomas apresentados pelos “agredidos”, como pelos “agressores”. Meu momento aqui é apenas o de alerta, pois o tema não se esgota nestas poucas linhas. A sociedade de tempos atrás não nos trazia este cenário, os “acessos” a detalhadas informações eram limitados, não se falava em agressão e atrocidades, achando-se graça (éramos severamente punidos por nossos pais). Hoje tudo pode, não se limita um filho ao que moralmente irá definir seu caráter. Uma sociedade permissiva gera “Bullies” a cada esquina, e depois, estampa manchetes com casos cada vez mais avassaladores de suas vitimas.

Ao mesmo tempo, não devemos pender às “tendências” da sociedade e nos calarmos diante de uma morte justificada. “Ah, ele sofreu “Bullying” na infância, por isso matou”. Não podemos permitir que “os nossos”, matem e morram lá na frente, em nome da omissão, falta de tempo, excesso de trabalho, ascensão pessoal e profissional, desvalorização da fala de um filho, ou da super valorização de suas “insanas qualidades” de hoje. É preciso dialogo, companheirismo, cumplicidade, participação ativa de sua vida escolar, observação de alterações comportamentais, atenção às mudanças bruscas no circulo de amigos, punição, regras e limites em todos os momentos, sob todos os aspectos. Mas é preciso preparação e informação da Escola, sem temer que a mesma, pós observada e muito pesquisada, chegue ao conhecimento dos pais, em busca da parceria no auxilio a estes alunos (o “agredido” e o “agressor”). Afinal, Renato Russo foi sábio ao escrever: “è preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”. O “amanhã” de nossos filhos nada mais é do que a colheita que você ajudou-o e colaborou para que ele plantasse hoje.

E a você, detentora deste nato saber, dona de um amor que transcende qualquer limitação, que mescla razão e emoção, em nome de um sorriso, que valoriza o primeiro balbucio, a primeira fruta, o primeiro passo, a primeira evacuação fora das fraldas, o primeiro rabisco, chamado de “bola”, a primeira letra de forma, a primeira junção silábica, a primeira formatura... mas que também supervaloriza a primeira febre, o primeiro dia da escola, as primeiras manhas, o frio e a chuva (insistindo para que se carregue uma blusa)... A você que recebe um “titulo nobre”, como o da Virgem Maria e que é eternamente símbolo dos “dedinhos” que formam um coração... Parabéns pelo seu dia que se aproxima, pelo seu mês que lhe simboliza, pela vida que nos deu... Parabéns a todas as MÃES, inclusive a minha! Até a próxima!

Dica de Leitura: “Bullying – mentes perigosas nas escolas” – Ana Beatriz Barbosa Silva. Ed Fontanar.

Valesca Souza

Psicóloga Clinica – Especialista em Neuropsicologia

Um comentário:

  1. Caros leitores, é com muita honra que posto este comentário. Não quero comentar meu próprio texto (rs), mas na mesma tarde em que o texto foi postado, recebi um e-mail de um professor. Achei muito pertinente que vocês saibam o que recebi, para que possam entender, as conseqüências vitais que uma pessoa vitima de Bullying pode sofrer, como é o caso. Pós solicitação de autorização e aprovação, segue o relato deste professor, com as devidas omissões de identificação realizadas, para que sua imagem seja preservada.

    Prezada Dra. Valesca,
    Gostaria de parabenizá-la pelo seu artigo publicado no dia 04/05/2011 no blog da Escola Nosso Cantinho (http://escolanossocantinho.blogspot.com/) acerca do Bullying que ocorre em nossas escolas. Sou Professor há 15 anos, sofri durante toda minha infância os terrores dessa violência psicológica, moral e emocional e sinto os efeitos nefastos dessa prática tolerada indolentemente pela direção da escola que cursava e ignorada pelos meus pais. Pais, professores, pedagogos, psicólogos e todos os outros envolvidos no processo pedagógico devem discutir e estruturar mecanismos para impedir e debelar qualquer foco de agressão àqueles que por diversos motivos encontram-se em uma situação de vitimização por conta de um ou mais alunos. Sofro até hoje com as conseqüências desses anos de tortura e privações que eu experimentei e estou certo de que muitos erros que cometi estão ligados a essas cicatrizes. É uma pena que tenham que existir situações extremas para que a sociedade passe a discutir com a correta profundidade e seriedade temas tão complexos, quanto importantes. Deixo aqui a minha solidariedade a todos que sofrem com essa triste realidade.

    Era isso, Valesca

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